sábado, 5 de abril de 2008

CONCLUSÃO: O cinema transnarrativo da inclusão.

O olhar cinematográfico contemporâneo do gênero documentário vem discernindo e evoluindo sua percepção acerca do outro objetivado em construções dramatúrgicas caracterizadas pelas inventividades e liberdades pós-estruturalistas de apreensão da complexidade do real. Desta forma, o cinema documentário brasileiro da atualidade, representado neste trabalho pelos filmes Estamira e Moacir Arte Bruta, ambos lançados no ano de 2006, não somente vem opondo-se à metanarrativa, ou seja, ao relato clássico do objeto observado, copiando-o por meio de representações reducionistas da realidade, como passa a conceber interpretações e confrontações que levam à representificação transnarrativa de seu objeto, ou seja, atravessando a visão previsível e cristalizada do pensamento cultural dominante, passando este objeto a ter sua alteridade preservada e de fato representada. Isto é reflexo da crise do paradigma moderno da obtenção científica e artística do conhecimento que, com seu essencialismo racionalista e suas teorias representacionais, desvaloriza-se em sua construção do “olhar sobre o outro” para dar lugar a um “olhar para e com o outro”.



Foto dos bastidores do filme Moacir Arte Bruta. Autor desconhecido.



Pela análise dos filmes, esta pesquisa conclui que, se na origem do cinema antropológico o objetivo era o encontro com a “diferença do outro” para um processo instrumental de normalização dessa diferença, hoje, o “outro diferente” carrega, sem desconhecimento, o olhar do cineasta e do público para dentro de sua realidade, provocando inversões de valores, de conceitos relativos à diferença e aos pontos que fazem dessa diferença um potencial de exclusão. O objeto do olhar cinematográfico documental se funde à máquina (a câmera) e ao cineasta, tornando-se este trio um único corpo ramificado através do olhar. Sujeito, meio e objeto procuram se definir cada um através do outro, criando, a partir daí, um resultado cinematográfico dinâmico, aberto e plural.

Com a liberdade reconhecida no outro objetivado de poder construir por si próprio a representificação de sua radical alteridade, o cinema documentário tem a chance de impedir a obsolescência humana pelo avanço tecnológico. O cinema, inevitavelmente atrelado à cultura tecnológica que vem separando desenfreadamente o ser humano de sua natureza, precisa elaborar meios de não submissão ao processo de obsolescência humana. Meios que, ao invés de instrumentalizar a realidade do corpo social já fadado à história da pobreza, do pré-conceito, da repressão, da carência, da neurose, substituam a apropriação e a exploração desta metanarrativa do corpo excluído a uma reinvenção trans-narrativa da sociedade moderna; esta sim, a verdadeira excluída do sentido da inclusão.



Foto: Marcos Prado

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